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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Web Novela - Vozes

Vozes

- Capítulo 1 – Anúncio do Mal

POV Bella

Caminhava tropegamente pelas ruas sujas de Nova York. Havia dias que andava naquele estado decrépito, havia dias em que toda sua vida foi acabada, sua mãe morrera num ato suicida e levara consigo toda a esperança que tinha em ter uma família feliz. Seu irmão James estava sob a guarda do conselho tutelar, a única família que tinha o último resquício de felicidade que assolava em sua vida.
Tinha 19 anos, mas mesmo assim não poderia ter a guarda de James, por causa de seus registros em diversos sanatórios e vários depoimentos de médicos onde relatavam o quanto doente eu era. Que fique bem claro que eu não tenho doença tenho uma maldição, um mal que carrego dentro de meu ser, este mesmo que foi despertado após a morte de meu pai, execrável pai, odiava mencionar ele ou se quer ter lapsos de pensamentos, Charlie abusara-a por diversas vezes. Sempre foi um sofrimento constante quando o dia beirava a noite e com a escuridão da mesma Charlie recolhia toda a minha vida consigo. Deixava-me nos fundos de casa com o corpo surrado e cheio de hematomas. Arrastava-se pelo piso de concreto do quintal e se equilibrava nos degraus da pequena escada que levava a cozinha. Sua mãe sempre soubera dos abusos, mas nunca denunciou meu pai, por medo e por vergonha. Tentava fechar os olhos diante daquela mini catástrofe que lhe assolava constantemente, mas tinha a clara percepção de que aquilo acontecia. Fora ela que deixara na cadeira perto da porta da cozinha um lençol limpo. Pegara o lençol e o enrolara em seu corpo, abraçou-se e chorou silenciosamente. Chorou até seus olhos incharem e até que seu corpo enfim anunciasse novos espasmos de dor. Caminhou lentamente até seu quarto e fora pro seu banheiro. Ligou o chuveiro e pegara a esponja, passava-a em seu corpo sem piedade, queria limpar toda aquela sujeira, toda aquela monstruosidade, toda aquela injúria. Seu corpo sangrava e tremia de frio, mas nem por isso parou e só desistiu quando caiu no banheiro por não mais suportar o próprio peso.
Jazida inconsciente ali ficou naquele mesmo lugar até que sua mãe entrasse no quarto de manhã cedo e vira aquela cena: sua filha estirada no chão, inconsciente e brutalmente espancada.
Renée me tirara do banheiro e me enrolara em uma toalha, após isso me levou pro quarto e foi lá onde eu permaneci até voltar a consciência. Sabia que minha mãe não iria me levar para o hospital.
Morávamos numa cidadezinha pacata onde todos se conheciam e por causa disso minha mãe resolvera manter aquilo em sigilo, ela mesma cuidara de mim durante os dias seguintes ao abuso. Não falava nada referente a Charlie, apenas sobre James e coisas que dos afazeres domésticos. Fora isso passara quase todo o tempo deitada na cama enferrujada de minha avó, no sótão de casa. Renée não queria que Charlie me encontrasse ainda naquela semana, pois eu necessitava me recuperar depois daquele abuso tão brutal. Suspirou pesado sentindo seus hematomas latejarem sobre sua pele pálida. Usava uma camisola branca e constantemente prendia as bordas da mesma com as mãos, estava ansiosa, temia que Charlie aparecesse na calada da noite e a abusasse novamente, por causa disso durante a semana não conseguira dormir bem.
Durante uma dessas noites insones, Bella passou a ouvir as vozes que seriam sua eterna companhia. Não se lembrava bem dessa noite em particular, só lembrava das vozes, elas sim eram as mais sonoras, impossíveis de se esquecer. Elas dominaram sua mente durante toda a noite e com seu corpo havia feito pequenos horrores dentro de casa.
Dominada por espíritos, ela havia riscado todo o sótão, algumas desses rabiscos eram referentes a ela, nos quais estavam escritos: “kill me”, “let me in” e “help us”. Pedidos de ajuda fora o que aqueles espíritos tristes pediram a ela, que sem nenhum aviso prévio havia sido invadida e virada do avesso. A partir disso sua vida dera uma guinada gigantesca, sua mãe que vivia da costura, deixara este afazer, para leva-la a todos os centros psiquiátricos da cidadezinha e das próximas a Nashville também. Dos 16 até os 19, fora sempre assim, uma vida margeada entre os sanatórios e os constantes medicamentos controlados que tomava. Não tinha muita consciência e até hoje tinha retardo mental, tremia involuntariamente às vezes, tinha taquicardia e alucinações.
Sentara-se numa caixa de madeira no canto daquela rua suja de Nova York a fim de conseguir um fôlego pra continuar sua caminhada. Estava muito bêbada, muito desorientada, precisava parar com esses arroubos adolescentes, senão perderia a oportunidade de ter a guarda de seu irmão James. Abaixara a cabeça e fechara os olhos, enquanto isso ouvia passos perto de si, abruptamente se levantou e olhou o homem loiro que estava a sua frente. Ele olhava-a com uma cara de preocupação, tinha olhos azuis, olhos esses que desde o primeiro momento que os vi conseguiram me hipnotizar.

_ O que uma moça como tu está nesta rua imunda e fétida? –ele dissera num tom cortês, olhando em meus olhos. Com certeza deveria ser educado.

Passei a mão no cabelo e puxei minha franja, a fim de que escondesse meu rosto, abaixara o olhar.

_ Eu que pergunto o que um gentleman como você faz numa rua suja com uma garota proibida ? –eu disse olhando para o chão molhado, não se recordava de que havia chovido a noite.

_ Garota proibida.. Hummm.. Tsc.. Tsc... –mesmo sem olha-lo nos olhos, ouvira seu riso malicioso.

Levantara o olhar e agora olhava pra ele, num tom petulante, disse:
_ Essa mesma que você não deve tocar. –finalizara tudo com um belo sorriso de lado.

_Porque não? –ele me questionara, olhando-me intensamente.

Sentia seus olhares me bombardearem como se fossem pequenas flechas em minha pele, só com aquele par de olhos azuis ele havia conseguido provocar leves arrepios, que tentava disfarçar se aconchegando com as pequenas palmas da mão.
_ Não lhe diz respeito, portanto “adios”. –falei num tom nervoso - não sabia por que motivo estava nervosa aquele homem mexia com seus nervos – e passei por ele, caminhando em seguida.

Ele não deixara ela ir embora, segurara seu braço, impedindo-a de seguir adiante. Ela se virou e olhou-o nos olhos.

_ Me solte! –eu dissera, fazendo um biquinho de irritação.

_Não vou te soltar até dizer os motivos para se estar nesta rua. –ele dissera me olhando nos olhos de uma forma tão intensa que com certeza conseguiria ver minha alma.

Soltei-me abruptamente dele e corri até o término da rua. A cidade ainda estava se acordando, isso se devia ao fato de terem poucas pessoas e carros trafegando nas ruas, atravessei uma avenida e entrei em outra rua. O vento frio batia violentamente contra a pele de meu rosto. Corri até meus pulmões pedirem incessantemente pra parar. Encostei-me em uma parede de concreto de uma das ruas perto do meu apê e olhei de relance nas avenidas a seguir, não sei porque estava correndo, não mais. Havia acontecido algo, mas não mais se lembrava. Caminhou desorientada pelas ruas próximas ao seu apartamento. As pessoas que cruzavam com Bella, olhavam-na espantados, com dó daquela criatura que vivia a sofrer naquelas ruas. Alguns a conheciam, outros não.
Quando enfim achou seu apartamento, entrou no prédio antigo e que tinha aparência de abandonado e subiu as inúmeras escadas até seu andar.
Suspirou de cansaço e se encostou à porta de seu apê. Precisava descansar um pouco, passara a mão nos seus cabelos e se levantou. Abriu a porta e entrou no apartamento bagunçado. Pilhas e pilhas de livros espalhados pelos cantos do lugar, o carpete cinza claro estava bastante gasto e dava pra notar o piso de baixo. Deixou o pequeno molho de chaves com um chaveirinho do big bang – Bella ainda realizaria o sonho de visitar a boêmia Londres – e caminhou até o banheiro, ligou a torneira da banheira e tirou suas roupas esfarrapadas. Enquanto esperava a banheira encher de água, seus pensamentos voavam longe, distante dali, mais exatamente para aquele homem que mexera com ela naquela rua inóspita. Sua mente voara alto ao imaginar um possível novo encontro, mas sabia como as coisas são na vida, essa mesma que nunca foi boa com ela, à mesma que a ensinara certas lições e não cairia nessa. Desencostou-se da parede do banheiro e desligou a torneira da banheira, vendo que a mesma já havia enchido. Entrou e suspirou alto devido sua pele entrar em contato com a água fria da banheira, se arrepiara levemente e os bicos de seus seios se enrijeceram. Passou água no seu corpo e encostou a cabeça na banheira, fechara os olhos por um instante e a primeira coisa que viu em sua mente foi seu James sorrindo, feliz. Abrira os olhos e se sentara abruptamente na banheira, totalmente alerta agora. Precisava de um advogado para conseguir a guarda de seu irmão e rápido. Não queria que James passasse nem mais um dia em um desses orfanatos, onde só maltratam as crianças, sabia que ele já colecionava traumas, mas também não queria que ele ganhasse mais alguns por isso. Pegara a esponja e ensaboara todo seu corpo, enquanto tentava encontrar uma maneira de conseguir dinheiro pra pagar um advogado. Virar prostituta nunca fora uma possibilidade para Bella, mas naquele momento ela precisava mais do que tudo. Enxaguou todo o corpo ainda pensativa e se levantou da banheira, de pernas bambas, sentiu a leve brisa fria da manhã passar pela janelinha de seu banheiro, fazendo-a se arrepiar novamente, se enrolou rapidamente na toalha branca e saiu da banheira. Enxugou seus pés no tapete crespo do banheiro e caminhou lentamente e pensativa até seu quarto. Abriu a gaveta da cômoda de madeira escura que jazia naquele quarto e tirou uma calcinha, um blusão azul claro e um shortinho branco. Enquanto se vestia, continuava a pensar sobre como conseguiria um emprego. Perguntaria a Dona Elisé se ela sabia de algum emprego para mim.
O retrato de seu James jazia no mesmo lugar de sempre, em cima de sua cômoda, a fotografia envelhecida a fazia recordar de tempos felizes, de tempos onde à vida a proporcionou a felicidade que não mais sentia. Sorrio involuntariamente, aquele mesmo sorriso leve que nunca havia imperado em seus lábios carnudos avermelhados, só James conseguia isso, só aquela doce criança a fazia bem.
Levantou-se da cama e ligou para a pizzaria, pediu uma pizza de calabresa e uma coca, seu dinheiro já demonstrava sinais de escassez e reafirmava os pensamentos de que precisava do quanto antes de um emprego para manter sua vida por ali. Caminhou até a porta quando haviam batido na mesma. Pagara o entregador e fechara a porta. Colocou a pizza no centrinho que ficava de frente pra sua mini TV, se sentou no chão mesmo, ligou a TV e colocou a coca no copo, comeu até seu estômago reclamar. Se encostou no sofá e respirou fundo tentando arranjar um modo de sentar para melhorar a digestão do que havia comido. Olhava pro teto rachado, quando sua porta batera novamente. Olhou pra mesma e pensou: quem será? Ninguém me conhece aqui, só Dona Elisé e há essa hora ela não está por aqui e sim no trabalho. Levantou-se do chão com certa dificuldade, seus músculos estavam tão relaxados naquela posição que haviam se enrijecido um pouco. Sorrio de lado, precisava de mais momentos como aquele, momentos solitários, mas felizes.
Momentos onde mesmo sozinha encontrava a ajuda sobrenatural de sua avó. Quando se levantou pra atender a porta foi bombardeada por vozes horríveis, clamavam por algo, mas não conseguia entende-las. Pôs as mãos na cabeça tentando minimizar aquela crise, mas não surtiu o efeito esperado, se ajoelhou perto da porta, soltava gritos de protesto, nem ao menos conseguia ouvi-los, as vozes imperavam seu corpo, ministrava-o, naquele momento todos os objetos da sala estavam em órbita, todos na mesma sintonia das vozes. Uma hora depois o corpo de Bella era conduzido por espíritos, os objetos continuavam orbitando pela sala, as batidas incessantes contra a porta não paravam e num instante arrombaram-na. A porta foi abaixo e os espíritos puderam ver quem estava do lado de fora e logo corria até aquele corpo. Com uma força descomunal o corpo de Bella deu inúmeros golpes contra aquele homem, alguns conseguiam atingi-lo em cheio, mas não fazia muito efeito, ele era forte, tinha habilidade em luta. Ele contornou-a e pegou ela por trás, encostou-a contra a parede e rapidamente tirou a cruz de prata que continha inúmeros cristais, colocou-a no alto da face de Bella e rezou em latim por ela, o corpo dela lutou convulsivamente, socava a parede, mas aquele homem não desistia e continuava. Seu corpo se acalmou a medida dos minutos e os espíritos aos poucos se dissiparam de sua alma. Almas enegrecidas subiam para o teto e sumiam, os objetos que estavam em órbita, logo caíram.
Bella jazia inconsciente no peito de Edward. O mesmo que a encontrara tão petulante em uma dessas ruas imundas de New York. Pegou-a no colo e levou ela até o quarto. Colocou uma compressa de água quente na sua face e esperou sentado na cama ao lado dela.
Seus olhos pareciam estar grudados e custavam a abrir com facilidade, quando enfim conseguiu abrir, piscou incessantemente contra a luz que ali tinha, olhou pro lado e viu aquele mesmo homem dos olhos penetrantes. Sentou-se abruptamente na cama e sentiu algumas leves tonturas, olhou-o confusa e disse:

_ O que faz aqui? –ela dissera com a mão na face, a fim de espantar suas tonturas.

Ele sorriu e a deitou na cama novamente, ela era teimosa e custou a deitar.

_Se não deitar, continuará sentindo as tonturas é isso que quer? -ele perguntou retoricamente, fazendo-a se acalmar na cama.

_Estou aqui porque você teve uma dessas famosas possessões. –ele olhava-a. _E parece que cheguei a tempo, senão aqueles espíritos poderiam te fazer um enorme mal.

_Como me encontrou? Já estou acostumada com essas coisas..-ela sussurrou.

_Isso não é normal, deveria tomar certas precauções. –ele lançou-lhe olhares de espanto.

_Pra ninguém é, mas aprendi a conviver com vozes. –ela bufou irritada.

_Você não aprendeu se tivesse aprendido não teria isso no meio de sua vida, mas bom.. Não vamos discutir por isso, precisa sair daqui, este apartamento está infestado de espíritos, entranhados em cada cubículo deste miserável quadrado que chama de casa.

_Não posso sair daqui, só tenho essa casa. E quem é você pra chegar aqui e dizer que tenho que sair daqui? Nem o conheço...

_Ou sai por bem ou sai por mal, não vou te deixar nesse quadrado dos horrores. –ele disse e rapidamente pegara-a no colo, ela dava chutes nele, mas de nada adiantara, ele já tinha feito suas malas e pegou as mesmas e caminhou até a porta do apartamento, desceu as escadas com ela a tiracolo e colocou-a no seu carro.

Uma BMW preta fechou a porta e deu a volta rapidamente, abriu a porta do motorista e entrou, fechou-a em seguida e deu partida, fazendo os pneus cantarem no asfalto. Dirigindo pelas ruas de New York, alternava o olhar da estrada para aquela garota.

_Não me disse seu nome. –ele falou baixo, olhando para a estrada.

Bella estava com os pés no banco e virada para o lado da janela. Olhava as ruas passarem rapidamente por sua vista.

_Não vou dizer meu nome para um estranho, que entra em minha casa e me tira dela sem nem ao menos o meu consentimento, isso é crime sabia? –ela virou o rosto e o olhou irritada, ele também a olhava e por instantes o mundo parou quando os dois cruzaram o olhar.

Continua...
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